Nazismo: quando há justificativa para
matar
O primeiro homicídio
ocorrido na Bíblia, citado no documentário sobre a ascensão e queda do nazismo
na Alemanha durante o século XIX, serve para iniciarmos uma reflexão sobre as
atrocidades cometidas por um homem, Adolf Hitler, consequentemente, por uma
nação que acreditou ser superior às demais. Quando Caim praticou homicídio
contra Abel, o comportamento do criminoso não foi diferente dos nazistas no
momento em que foram julgados no final do século XX: tentaram esconder o crime
ou mesmo recorreram à presunção da inocência com tamanha frieza e cinismo ao
negar uma ação executada contra à vida humana: um direito fundamental que deve
ser assegurado a todos independente de qualquer distinção.
Sobre os fatos cometidos pelos nazistas,
apenas podemos comentar, haja vista que nada podemos fazer para mudar essa
lamentável história da humanidade, no entanto, podemos refletir sobre até onde
o ser humano pode chegar a fim de se tornar “o lobo do próprio homem”, conforme
sustentou Thomas Hobbes. Caim tirou a vida do próprio irmão, de alguém que
morava e dividia o mesmo espaço. No ambiente que foram inseridos era para
reinar o amor, todavia, a inveja, o ciúme, enfim, o irracionalismo do instinto
aflorou no impulso que proporcionou a tragédia iminente.
Isso nos leva a crer nas
palavras de Rogério Greco (2017, p.12): “O ser humano é mau. Mata, estupra,
rouba, calunia, enfim, pratica toda sorte de iniquidades”. Essa maldade do ser
humano, inerente à própria natureza, foi explicitada no documentário “Coleção
Holocausto e os Crimes da Segunda Guerra”. Das simples torturas até a criação
de câmaras de gás, do senso comum até o uso do conhecimento científico para
matar, a maldade entranhada na mente de uns poucos, somadas aos contextos
políticos e econômicos, propagou as cenas mais cruéis da história da humanidade
considerada evoluída. Explicaremos essa consideração: Quando o ser humano vivia
nas sociedades primitivas, ele seguia seus instintos de sobrevivência, porque
ainda não tinha o controle da racionalidade. A ciência, alguns difundiram, além
de tirar o ser humano da ignorância, conseguiria gerar ao ser humano a
felicidade, não foi à toa que às evoluções tecnológicas surgidas no final do
século XIX e início do século XX trouxeram certo conforto e soberba a alguma
minoria que poderia desfrutar da face evoluída da ciência: a tecnologia.
O cientista pode até
comemorar que criou o rádio, o telefone, o automóvel, por outro lado, não pode
negar que criou também a capacidade de matar o próximo de maneira mais
eficiente, como vimos nas montanhas de corpos formadas por tiro nas cabeças das
vítimas, bem como no uso de produtos e experimentos químicos como armas
mortais. Além disso, houve os experimentos para desenvolver uma raça pura, sem
êxito, mas o ser humano, nesse contexto cobaia e moribundo, estava subjugado
por um pensamento que precisa ser combatido: o da generalização. Até que ponto
a generalização e o estereótipo de outras culturas não podem provocar um
holocausto pior? Para a cultura judaica, o holocausto era uma cerimônia na qual
os judeus sacrificavam um animal para invocar a presença de Deus. Quem os
nazistas invocaram quando praticaram o sacrifício de inúmeros judeus, ciganos,
homossexuais, deficientes e demais pessoas consideradas inferiores? Quando
generalizaram essas etnias como inferiores encontraram nisso justificativa para
difundir a ideia de uma superior: a ariana.
Como pode uma pessoa ou
melhor um grupo de pessoas chegar a esse ponto de eximir os direitos
fundamentais do ser humano e ainda encontrar defesa para justificar uma
superioridade? Pode até ser sustentada pela teoria da seleção natural de
Charles Darwin, em seu livro sobre as espécies animais, como alguns estudiosos
alegam sobre a origem da atitude de Adolf Hitler. Mas preferimos a voz de
Rousseau quando afirmou que a força não produz direitos. Mais ainda, o ser
humano pode até ser um animal irracional, contudo é possível evoluir e
tornar-se um ser dotado de razão, de noção do bem e do mal, possuir senso de
justiça, por isso, devemos impedir que novos diários de Ane Frank sejam
criados. Como? Com o empenho para o que foi proclamado na Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, em Paris – direito à liberdade, à igualdade e à
fraternidade – seja ecoado nas diferentes culturas e nações mundiais.
Quando presenciamos as
cenas do inferno de Dante mostradas no documentário, sentimos simultaneamente
compaixão e rancor. Amor pelo maltratado, pelas pessoas mortas sem dó nem
piedade, melancolia pela covardia de uns em detrimento do sofrimento de outros.
Mas também sejamos sinceros: sentimos raiva, ódio dos nazistas, tanto que
aflora em nós não só um sentimento de justiça e vingança como a vontade de
eliminar todos os nazistas, logo, somos impulsionados a nos sentir todos contra
uma outra nação. Daí provém o desejo latente de queremos sucumbi-la: o que nos
torna diferente de Adolf Hitler? Ele deixou o instinto natural vencer e
convencer outros a cometer homicídios qualificados. Nós não podemos, isso não é
tarefa apenas dos Direitos Humanos, motivar o crescimento da vingança, mas da
tolerância, do respeito pela diferença, resgatar aquilo que Caim renunciou
embora estivesse em seu irmão Abel: a caridade pelo próximo.
O que os nazistas fizeram
foi uma guerra declarada contra uma cultura diferente, uma afronta à laicização
do Estado e, por conseguinte, ao Estado Democrático de Direito. Ninguém assumiu
a culpa pela atitude dos nazistas ou fez todos os esforços para impedir as
atrocidades. Ou melhor, o único que fez foi capturado pelos russos e também
pelo anonimato que está relacionado com as pessoas as quais lutam pelos
direitos humanos. Disso surge outra questão que não é possível desdobrar neste
documento, entretanto é importante colocar em discussão como luz a futuros
debates: Hitler, a encarnação do mal, é lembrado e ainda recentemente tem fãs
pelo mundo, já o jovem que resolveu sozinho libertar os judeus foi preso e
ninguém se importou com a vida dele. A questão é: Por que o mal é propagado e o
bem geralmente fica no anonimato? Podemos desdobrá-las em outras não menos importantes
e quem sabe até relacionadas à primeira: Por que preferimos ver mais cenas de
violência na mídia enquanto as notícias boas, quando existem, comentamos, não
damos valor? Muitas questões para futuros debates.
Deus sabia o que Caim
tinha feito. Mas não pôde intervir porque concedeu livre arbítrio ao ser
humano. Os outros países poderiam cedo evitar a perpetuação dos atos nazistas,
mas só o fizeram depois de ameaçados belicamente, sendo que a prioridade não
foram as vidas sucumbidas, sim questões consideradas maiores como o poder
político. Em outras palavras, a favor de um bem maior, a vida humana, os outros
estados poderiam interferir respeitando a soberania das diferentes nações em
prol principalmente dos direitos humanos os quais são anteriores e superiores a
qualquer Estado: o direito à vida, à liberdade, à propriedade, entre outros.
Quando Donald Trump,
presidente dos Estados Unidos da América, resolveu autorizar, junto com a
França e o Reino Unido, bombardeio na Síria para acabar com o terrorismo, até
que ponto não está também dizendo que todos os sírios são terroristas? Mais
ainda, eles estão justificando uma ação militar sem levar em consideração que
existe uma parcela da sociedade na Síria a qual não tem relação nenhuma com os
responsáveis pelo lançamento de armas químicas. Quando o povo do Rio de Janeiro
aplaude uma intervenção militar para acabar com a criminalidade crescente, até
que ponto não está também justificando o uso da força para garantir a segurança
e, inclusive, o da morte?
De líder a liderados,
verificamos que o diálogo vem perdendo espaço e a intolerância crescendo cada
vez mais. Esqueceram que violência gera mais violência, não que estejamos
inspirados em senso comum, mas em dados concretos, pois no site da revista Veja
é possível perceber que a violência não diminuiu com a intervenção do exército
na cidade carioca, ao contrário, vem aumentando com o consequente índice de
morte de civis e militares. Quando Hitler achou uma justificativa para cometer
atrocidades, vimos o pior. A história está aí para aprendermos com os erros de
nossos antepassados, sejam líderes ou liderados, se esquecermos, em pouco tempo
estaremos matando o nosso irmão porque ele é terrorista, é bandido, é
homossexual, é religioso, é diferente.
O homem não é só lobo do
homem, mas também bom e livre por natureza, o que ele precisa é de um Estado
Democrático de Direito que assegure e proteja os direitos fundamentais a todos.
Mas do que isso, um Estado que estimule a tolerância, o amor e o diálogo
incansavelmente antes que seja preciso surgir outra tragédia para de novo
ficarmos lamentando a crueldade da natureza humana. Hitler, por fim, matou
muitas pessoas, mas não puxou o gatilho ou a alavanca da câmara de gás sozinho.
Junto nós precisamos combater todo atentado contra os direitos humanos. E
enquanto houver a intolerância ou a crueldade, lembremos da lição deixada pelos
sobreviventes do holocausto: É possível, ainda nas circunstâncias mais cruéis,
cantarmos para anestesiarmos a nossa dor, melhor do que isso, não deixarmos que
ninguém cale a nossa voz em prol da luta pelos direitos fundamentais e
universais do ser humano.
(Alessandro S. Silva)