Texto I – Meus oito anos- Casimiro de
Abreu
Meus oito anos
Casimiro de Abreu
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
De despontar da existência!
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor!
Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d´estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! dias de minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberto o peito,
– Pés descalços, braços nus –
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
[…]
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
– Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Enciclopédia Itaú Cultural – Literatura Brasileira. Disponível em www.itaucultural.org.br.
Casimiro
de Abreu (1839 -1860) nasceu no Estado do Rio de Janeiro. É um dos poetas mais
conhecidos do Romantismo. Sua poesia, marcada pelo pessimismo e pelo saudosismo
nacionalista, está resumida na obra “As Primaveras”, publicada em 1859.
Leia, atentamente, o poema de Casimiro de Abreu.
ATIVIDADES
DE LEITURA
1.
No poema, o sentimento que predomina é:
a) Alegria.
b) Saudade. (X)
c) Tristeza.
d) Frustração.
e) Revolta.
D4
2.
A estratégia usada para expressar este sentimento é:
a) Repetir
várias vezes a ideia de adormecer, de anoitecer.
b) Evocar
imagens do mar e do céu para representar o inatingível.
c) Repetir o
verso “Oh! Que saudades...”, na 1ª e na última estrofe. (X)
d) Descrever
as belezas da natureza da infância perdida.
e) Lamentar o
passado, os anos perdidos, durante a sua infância.
D19
3.
Releia:
Oh!
que saudades que tenho
Da
aurora da minha vida,
Da
minha infância querida
Que
os anos não trazem mais!
3.1.
No segundo verso, há uma metáfora que pode ser
apresentada pela seguinte
expressão:
a) A vida é
uma manhã de sol.
b) O sol é
alegria da vida.
c) A infância
é luz.
d) A saudade é
como um amanhecer.
e) A aurora é o início da infância. (X)
3.2.
A outra expressão metafórica do texto correspondente ao
verso grifado
acima é:
a) “a minha
infância querida”.
b) “os anos
não trazem mais”.
c) “o
despontar da existência.” (X)
d) “que noites
de melodia”.
e) “aquelas
tardes fagueiras”.
D4
4.
Considerando a leitura do poema, podemos afirmar que o
sujeito lírico é masculino. Comprove, com versos do poema, esta afirmativa.
Na
quinta estrofe, os versos “Livre filho das montanhas, /Eu ia bem satisfeito,” confirmam
que é masculino o sujeito lírico. As palavras “filho” e “satisfeito” é a marca linguística
que define isso.
D1
5.
Retire do poema um exemplo de:
a- Inversão:
“Respira
a alma inocência” (verso 3, segunda estrofe).
b- Antítese:
• A
oposição entre dia e noite: o dia representa o movimento, a alegria; a noite, o
folgar ingênuo, o descanso, o sonho.
• A
oposição entre o presente e o passado: “Em vez de mágoas de agora/eu tinha nessas
delícias/de minha mãe as carícias/E os beijos de minha irmã.”/ “Que doce a vida
não era/Nessa risonha manhã!/ Em vez de mágoas de agora...”.
D19
6.
Para representar a infância como uma época de felicidade,
o poeta se vale de inúmeras imagens poéticas. Identifique, pelo menos, duas
dessas imagens.
• A
imagem da aurora, da luz que antecede o nascer do sol, para representar a
felicidade da infância, definida pelo poeta como o despertar da existência.
• A
imagem do lago sereno, para representar uma fase de acolhimento, proteção e
tranquilidade.
• A
imagem da primavera com suas flores e cores, para representar a alegria da
infância.
• A imagem da flor, para
representar a inocência.
7.
Em muitas estrofes do texto, o sujeito lírico revela e justifica
o que sente. Que
justificativas
ele apresenta para as saudades que declara sentir da infância?
O
sujeito lírico sente saudades da infância e esse sentimento se justifica pelo
fato
de
ser a infância um tempo de amor, de sonhos, de contato mais intenso com a
natureza,
um tempo em que nos sentimos protegidos pela família e vivemos mais
serenamente,
sem preocupações. Somos livres para brincar, viver. Enfim, somos
mais
felizes.
D4
8.
Comente o ponto de vista assumido pelo sujeito lírico
para expressar seus
sentimentos.
Como você avalia essa forma de ver a infância?
Resposta pessoal.
Texto II – AI QUE SAUDADES... - Ruth
Rocha
A forma
idealizada como os poetas românticos abordaram a realidade provocou inúmeras paródias
de seus textos. O próximo texto que vamos ler dialoga com o texto de Casimiro de
Abreu. É uma paródia, estratégia muito utilizada como exercício de crítica e
contestação, como vimos na Oficina 6 do Guia 1. Leia atentamente o texto de
Ruth Rocha para responder às atividades propostas.
Ruth Rocha
nasceu em 1931, em São Paulo. Publicou o primeiro livro em 1976. É uma
escritora muito importante da Literatura brasileira contemporânea.
AI QUE SAUDADES... Ruth Rocha
Ai que saudades não tenho
Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais...
Me sentia rejeitada,
Tão feia, desajeitada,
Tão frágil, tola, impotente,
Apesar dos laranjais.
Ai que saudades não tenho
Da aurora da minha vida,
Não gostava da comida
Mas tinha que comer mais...
Espinafre, beterraba,
E era fígado e era fava,
E tudo que eu não gostava
Em porções industriais.
Como são tristes os dias
Da criança escravizada,
Todos mandam na coitada,
Ela não manda em ninguém...
O pai manda, a mãe desmanda,
O irmão mais velho comanda,
Todos entram na ciranda,
E ela sempre diz amém...
Naqueles tempos ditosos
Não podia abrir a boca,
E a profe s sora era louca,
Só queria era gritar.
Senta direito, menina!
Ou se não, tem sabatina!
Que letra mais horrorosa!
E pare de conversar!
Oh dias da minha infância,
Quando eu ficava doente,
Ou sentia dor de dente,
E lá vinha tratamento!
Era um tal de vitamina...
Mingau, remédio, vacina,
Inalação e aspirina,
Injeção e linimento!
E sem falar na tortura:
Blusa de gola engomada,
Roupa de cava apertada,
Sapatinho de verniz...
E as ordens? Anda direito!
Diz bom dia pras visitas!
Que menina mais sem jeito!
Tira o dedo do nariz!
Que aurora! Que sol! Que nada!
Vai já guardar os brinquedos!
Menina, não chupe os dedos!
Não pode brincar na lama!
Vai já botar o agasalho!
Vai já fazer a lição!
Criança não tem razão!
É tarde, vai já pra cama!
Vê se penteia o cabelo!
Menina se mostradeira!
Menina novidadeira!
Está se rindo demais!
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Ruth Rocha no livro O mito da infância feliz.
ATIVIDADES
DE LEITURA
Agora que você
já leu o poema “Ai que saudades...”,
de Ruth Rocha, responda às questões abaixo:
1.
Qual é o tema do poema?
O
tema do poema é a infância.
D6
2.
Com base na leitura do poema, identifique e descreva o
sujeito lírico. Comprove a sua resposta a partir de versos do poema.
O
sujeito lírico é feminino. Uma pessoa adulta fala, expõe seus sentimentos. Na
primeira
estrofe, encontramos versos que comprovam isso. Por exemplo: “Me sentia
rejeitada...”
D1
3.
O uso de reticências no
título e em outros versos pode ter um sentido. Com
que objetivo a
poeta pode ter usado esta estratégia?
As
reticências foram usadas para marcar uma interrupção do discurso, uma mudança
de perspectiva ou orientação discursiva. No texto elas promovem uma
pausa,
a partir da qual o sujeito lírico rompe com a expectativa criada pelo que foi dito
anteriormente.
D17
4.
Leia a informação abaixo:
Algumas vezes,
o autor coloca, explícita ou implicitamente, uma outra voz, no
texto, cujo
entendimento depende de o leitor ter, em seu repertório, conhecimento de um
outro texto. É o que se costuma chamar de intertextualidade. (Abreu, Antônio
Suarez. Curso de Redação. Editora Ática, São Paulo:1996)
A intertextualidade
é um recurso usado por Ruth Rocha. Como foi usado este
recurso e com
que intenção?
A
intertextualidade é uma estratégia usada por Ruth Rocha com o objetivo de construir
sentidos. Ruth Rocha dialoga com o texto de Casimiro de Abreu, retomando o tema
da infância, com o objetivo de criticar a atitude romântica de
idealizar
a infância.
5.
A ironia é
outra estratégia usada por Ruth Rocha com o objetivo de construir um efeito de
humor, crítica. Identifique e explique o uso de ironia no poema.
Encontramos
uma ironia no título “Ai que saudades...”. Percebemos o uso deste recurso,
apenas quando lemos e entendemos o sentido global do poema. Na primeira
estrofe, a ironia se torna evidente, quando a descrição do estado de ânimo do
sujeito lírico se contrapõe aos sentimentos de saudades da infância querida.
Os
adjetivos “rejeitada, feia, desajeitada, frágil, tola, impotente” revelam que a
infância
foi um momento triste que não vale a pena ser lembrado.
D16
6.
No poema, a autora faz algumas críticas.
Identifique a crítica feita à escola e
à família.
Em
família, a criança não tem vontade própria, é obrigada a comer sem gostar, é uma
“criança escravizada”. Na escola, a criança não tem liberdade de expressão, não
pode falar: “Não podia abrir a boca”.
D4
7.
A metáfora da infância como aurora,
como uma fase feliz da existência é
questionada
por Ruth Rocha, que apresenta um posicionamento diferente a esse
respeito. Que
argumentos a autora utiliza em seu poema para desconstruir essa
visão?
Nos
versos “Que aurora! Que sol! Que nada!”, o posicionamento da autora fica
claro.
São muitas as justificativas para essa visão da infância. A repressão à alegria
e à liberdade obscurece o brilho do sol e não há aurora. Um exemplo: o espaço da
brincadeira se desfaz no momento em que a criança, ao invés de brincar, deve cuidar
de seus brinquedos.
D8
8.
Um neologismo é
uma nova palavra, criada, inventada. Em qual dos versos há
um neologismo?
a) “E era
fígado e era fava”.
b) “Naqueles
tempos ditosos”.
c) “Ou se não,
tem sabatina.”
d) “Inalação e
aspirina”.
e) “Menina se
mostradeira”. (X)
9.
Sobre a linguagem dos dois poemas é
possível dizer que:
a) Ambos os
poemas são escritos num registro formal da linguagem.
b) Ambos os
poemas têm muitas inversões sintáticas que prejudicam sua
compreensão.
c) A linguagem
coloquial é um traço marcante do poema de Ruth Rocha. (X)
d) O texto de
Casimiro de Abreu é mais informal que o de Ruth Rocha.
e) Somente
Casimiro de Abreu preocupa-se com a métrica e a rima em seu poema.