A
produção textual exige que cuidemos da articulação entre orações, períodos,
parágrafos e sequências maiores, porque todas essas partes contribuem para que
o texto seja compreendido como uma unidade de sentido. As marcas responsáveis
pelo encadeamento de segmentos textuais de qualquer extensão são denominadas articuladores
textuais, operadores do discurso ou marcadores discursivos.
Com
importante papel no estabelecimento da coesão, da orientação argumentativa e da
coerência do texto, os articuladores atuam em diferentes níveis:
No
da organização global do texto, em que explicitam as articulações das
sequências ou partes maiores do texto.
No nível
intermediário, em que assinalam os encadeamentos entre parágrafos ou
períodos.
No nível
microestrutural, em que indicam os encadeamentos entre orações e termos das
orações.
EXEMPLO 1
Sim,
o “Sunday Times” é preferível ao “Sunday Telegrafh” (mesmo com Rod Liddle, que
também aparece aos domingos no jornal). Mas a melhor colheita das rotativas
britânicas é, sem surpresa, a revista “The Oldie”, dirigida por Alexander
Chancellor e só superficialmente vocacionada para a “Terceira Idade”.
Nas
páginas da publicidade, lá encontramos casas de repouso; aparelhos auditivos;
calçado ortopédico; e, juro, pela minha saúde, o último grito em cadeira de
rodas.
Mas
depois temos artigos superiormente escritos (e superiormente hilariantes) sobre
as pequenas loucuras da vida actual.
AS
seções onde aparecem esses textos têm títulos que são todo um programa: “Still
wich us” (“ainda com a gente”, retratos biográficos de personalidades que se
mantêm vivas); “Living Hell” (“puro inferno”, normalmente devotado à indústria
do turismo); e, naturalmente, o heroico “Notes from the Sofa” (notas do sofá”,
reflexões sobre tudo o que mexe, o que obviamente exclui o autor das notas).
Para
concluir, Mary Kenny
responde a pergunta dos leitores, explicando, entre outros mimos, por que
motivo a demência não tem que ser o fim do mundo.
Fonte:
COUTINHO, João Pereira. Folha de S. Paulo.
No
texto, “para concluir” sinaliza para o leitor que o texto está chegando a sua
etapa final. Daí se tratar de um articulador que atua na organização global do
texto.
EXEMPLO 2
Na
semana passada, o jornalista George Johnson, que escreve ocasionalmente sobre
ciência para o “New York Times”, publicou um ensaio em que comparava dois
livros relativamente recentes que oferecem pontos de vista opostos à
natureza da realidade. Dado que esse é o tema de meu livro mais recente, “A
Ilha do Conhecimento”, revejo alguns dos pontos dessas obras, contrastando-os
com minha posição.
De
um lado, temos o
famoso filósofo Thamas Nagel, que argumentou em seu livro de 2012, “Mente e
Cosmo”, que o materialismo mais simples, conforme é entendido hoje e usado na
formulação das ciências físicas e biológicas, não é capaz de explicar alguns
dos fenômenos naturais mais complexos, incluindo a origem e a evolução da vida
e a natureza do consciente humano. (...)
De
outro, temos o
ultraplatonismo do físico Max Tegmark, do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts, que no livro “Nosso Universo Matemático” propõe que a realidade
física, o espaço, o tempo, a matéria e a energia, em todas as suas
manifestações, originam-se de uma realidade puramente matemática.
Fonte: GLEISER, Marcelo.
Folha de S. Paulo.
No
texto, as expressões “de um lado” e “de outro” estabelecem a articulação entre
parágrafos chamando a atenção do leitor para o que é colocado em foco num
parágrafo (a obra do filósofo Thomas Nagel) e noutro (a obra do físico Max
Tegmark), conforme proposta do autor apresentada no início de seu texto.
EXEMPLO 3
Deprê
na firma
Empresas
gastam milhões para entender o que faz seus funcionários felizes e
para motivá-los, mas demonização da tristeza talvez não seja
saudável, defende novo livro.
Fonte: LACOMBE, Milly.
Folha de S. Paulo.
No
exemplo, as palavras negritadas articulam as orações estabelecendo relações
argumentativas de finalidade (para), adição (e) e oposição (mas),
respectivamente.
Considerando
o quanto esses recursos são importantes na constituição de um texto, da sua
argumentação e do seu sentido, estudaremos a partir de agora os articuladores
textuais destacando as funções que assumem.
FUNÇÕES DOS ARTICULADORES TEXTUAIS
Os articuladores
textuais assumem variadas funções. Eis algumas:
situar ou ordenar
os estados de coisas de que o enunciado fala no espaço e/ou no tempo;
estabelecer
entre os enunciados relação do tipo lógico-semântico (causalidade,
condicionalidade, disjunção etc.);
sinalizar
relações discursivo-argumentativas;
funcionar
como organizadores textuais;
introduzir
comentários ora sobre o modo como o enunciado foi formulado (como aquilo que se
diz é dito), ora sobre a enunciação (o ato de dizer).
Os
articuladores podem ser agrupados de forma diferente de acordo com a função que
assumem no texto. É disso que trataremos a seguir.
Articuladores de situação ou ordenação no tempo e/ou
espaço
Esses
articuladores servem para sinalizar as relações espaciais e temporais a que o
enunciado faz referência demarcando, por exemplo, episódios na narrativa
(ordenadores temporais) ou segmentos de uma descrição (ordenadores espaciais).
Fazem
parte do conjunto de articuladores:
antes,
depois, em seguida, a seguir, defronte de, além, mais além, do lado direito, do
lado esquerdo, a primeira vez que, a última vez que, muito tempo depois etc.
EXEMPLO 1
A
primeira vez que ele
a encontrou, foi à porta da loja Paula Brito, no Rocio. Estava ali, viu uma
mulher bonita, e esperou, já alvoroçado, porque ele tinha em alto grau a paixão
das mulheres. Marocas vinha andando, parando e olhando como quem procura alguma
casa. Defronte da loja, deteve-se um instante; depois, envergonhada
e a medo, estendeu um pedacinho de papel ao Andrade, e perguntou-lhe onde
ficava o número ali escrito.
Fonte: ASSIS, Machado de.
EXEMPLO 2
O menos
comum, porém fatal
“TOCAR E
MORDER”
Antes
avançar com fúria, o
tubarão rodeia a presa. Depois, sinaliza a ação encostando suavemente no
corpo de seu alvo. Em seguida, dá o bote, crava as mandíbulas e não
solta mais. As vítimas são mergulhadores em águas profundas.
Fonte:
Veja.
ARTICULADORES
DE RELAÇÕES LÓGICO-SEMÂNTICAS
Esses
articuladores são responsáveis pela relação entre o conteúdo de duas orações.
No texto, as relações lógico-semânticas entre orações são estabelecidas por
meio de conectores. No conjunto das relações lógico-semânticas, podemos citar:
Relação
de condicionalidade: pode
ser configurada na construção se p então q que expressa conexão de
duas orações: uma introduzida pelo conector se (oração antecedente) e
outra por então que quase sempre se encontra implícita (oração consequente).
Se
é o conector condicional
típico que geralmente introduz um fato real (real ou hipotético) ou uma
premissa a que se associa uma consequência ou inferência. Entre o conteúdo de p
e o de q, instaura-se a seguinte relação:
condição
para realização – consequência da resolução da condição enunciada
Outros
conectivos que assumem valor condicional são:
caso,
desde que, contanto que, a menos que, sem que, a não ser que, salvo se
EXEMPLO
1
No
anúncio, a condição para realização é
1.
Se você está vendo este copo meio vazio
2.
Se você está vendo este copo meio cheio
E
a consequência da resolução da condição enunciada em ambos os casos é
(Então)
economize água
EXEMPLO
2
O
MAIS COMUM E MENOS FATAL
“BATER
E CORRER”
O
tubarão ataca, percebe que a carne humana é menos suculenta do que a de uma
tartaruga ou de um golfinho, por exemplo, e vai embora. Caso a mordida
não atinja órgãos vitais, a vítima – normalmente banhista ou surfista –
sobrevive.
Fonte: Veja.
No
texto, a condição é expressa da seguinte forma:
Caso
a mordida não atinja
órgãos vitais
E
a consequência:
(Então)
a vítima – normalmente banhista ou surfista – sobrevive
Relação
de causalidade é entendida
com base na construção p porque q que expressa conexão de duas
orações: uma delas encerrando a causa que acarreta a consequência contida na
outra. Em outras palavras, a relação de causa refere-se à conexão causa-consequência
ou causa-efeito entre dois eventos.
Do
ponto de vista do discurso, causa ou efeito não é um valor inerente a um fato
na rua relação com o outro, por exemplo:
Ela
está com os olhos vermelhos porque chorou bastante.
Mas,
sim, uma possibilidade de sentido segundo a necessidade de compreensão do evento
a que se faz referência. O emprego do conectivo tem justamente a função de
explicitar a relação de causa para orientar a compreensão.
O
conector mais usado para indicar a relação de causa é porque. Outros
conectores utilizados para expressar relação de causa são:
como,
pois, porquanto, já que, uma vez que, dado que, visto que
As
orações causais iniciadas com porque geralmente são pospostas,
sinalizando para o interlocutor se tratar de uma informação nova.
Quando
antepostas, as orações causais exprimem um fato que se pressupõe já conhecido
do interlocutor e chama a atenção para isso pela focalização causada pela extraposição,
segundo defende Neves (2011).
Relação de mediação ou finalidade se exprime por intermédio de duas
orações, numa das quais se explicita o meio para atingir um fim expresso na
outra. Trata-se de orações que expressam um efeito visado, um propósito, um fim
por meio do uso de conectores como
para que, a fim de que
É muito comum a relação de finalidade
ser expressa por uma oração encabeçada pela preposição para ou pela
locução a fim de, como mostram os exemplos:
Deputados
vão ao STF a fim de anular votação de idade penal.
Universitário
de Manaus cria site para oferecer experiências como dormir na casa de
nativos e pescar em igarapés.
Relação
de disjunção ou alternância é
expressa através do conectivo ou que associa dois fatos, duas ideias,
negando a união deles.
O
conector ou pode ser usado:
Com
valor exclusivo (= um ou outro, mas não os dois, ou seja, os elementos se
excluem).
Ou
se tem chuva e não
se tem sol,
ou
se tem sol e não se tem
chuva!
Ou
se calça a luva e
não se põe o anel,
ou
se põe o anel e não
se calça a chuva!
Já reparou
a dificuldade feminina para saber o que se pode (ou não) fazer depois de
uma determinada idade?
Devo
ou não pintar o cabelo? Posso deixar o cabelo comprido? É ridículo ter
franja ou fazer rabo de cavalo? Qual é o comprimento adequado da saia? E
o tamanho do biquíni?
Com
valor inclusivo (= um ou outro, possivelmente ambos, ou seja, os elementos se
somam).
Sabe quando duas pessoas estão brigando e aparece alguém no meio para apartar a confusão, pedindo para elas pararem de se agredir e tentando fazer que voltem a ser amigas? Ou quando duas pessoas que falam línguas diferentes não conseguem se entender e, mais uma vez, é preciso que alguém resolva a situação, conversando com cada uma delas em seus próprios idiomas? Pois é
mais ou menos isso que faz um diplomata, só que não entre pessoas, mas entre países.
Fonte: Quando crescer. VÁRIOS
AUTORES.
Relação
de temporalidade é
construída de várias formas podendo indicar simultaneidade, anterioridade,
posterioridade, continuidade ou progressão.
a. tempo
exato, pontual:
quando, mal,
assim que, nem bem, logo que, no momento em que
EXEMPLO
Minha
cachorra não suporta não ser o alvo da nossa atenção. Ela detesta quando
sentamos para ver televisão, os quatro olhando fixamente para a parede, e não
para ela. Como que em protesto, ela senta e nos encara, um a um, fixamente. O
jogo é não olhar para ela – porque assim que retribuímos seu olhar, ela
traz o brinquedo da vez, rabo abanando, e exige atenção ativamente.
Fonte:
HERCULANO-HOUZEL, Suzana. Folha de S. Paulo.
b. tempo anterior (antes que)
EXEMPLO
Antes
que se imagine o tubarão
à espreita como mera cena de cinema ou praias longínquas, tudo muito distante
do Brasil, convém lembrar o passado recente do litoral sul de Pernambuco. O
estado contabiliza 56% das histórias de ataque no Brasil. “Pernambuco não tem
mais tubarões que outros estados brasileiros. Aqui há uma combinação de muitos
fatores que levam ao surto de ataques a partir de 1992”, explica o pesquisador
Flávio Hazin, da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Fonte:
Veja.
c. tempo posterior (depois que)
EXEMPLO
Bacon,
Calabresa, Costelinha. Qualquer glutão esmorece ao ser informado de que os
nomes dos suculentos ingredientes agora batizam criaturas graciosas, carentes.
A
domesticação de porcos, que não para de crescer no Brasil, começa a fomentar
negócios e a movimentar o mercado de bichos de estimação.
“É
o fim da feijoada! Muita gente deixa de comer carne de porco depois que vira
dono de porquinho”, anima-se Fabiana Varoni, que há um ano expandiu sua granja
no interior de São Paulo para começar a vender os miniporcos, como são chamados
os bichos, que podem pesar até 70 quilos quando adultos.
Fonte:
CUNHA, Joana. Folha de S. Paulo.
d. tempo simultâneo (enquanto)
EXEMPLO
Enquanto
o navio avançava rio
acima, o administrador de empresas Carlos Silva, 36, desenhava a bordo do Grand
Amazon um modelo de negócio para conter a poluição de suas águas disseminando “privadas
secas”. Trata-se de uma tecnologia social de baixo custo, na forma de caixotes
de madeira que substituem o vaso convencional.
Fonte:
TRINDADE, Eliane. Folha de S. Paulo.
e. tempo progressivo
(à medida que, à
proporção que etc.)
EXEMPLO
A
ocupação das favelas do Rio pelos traficantes de drogas é um fenômeno
particular desta cidade e isso data de muitos anos (...). À medida que o
seu poder se consolidava, eles passaram de bandidos a justiceiros, punindo quem
se comportava mal e, com isso, evitavam a volta da polícia a seus domínios.
Fonte:
GULLAR, Ferreira. Folha de S. Paulo.
Relação
de conformidade é
expressa pela conexão entre duas orações em que se mostra a conformidade de
conteúdo de uma com algo afirmado/asseverado na outra. Para a construção da
relação de conformidade, podemos recorrer aos conectores:
conforme,
consoante, segundo, como
EXEMPLO
Relação de modo em que expressa numa oração o modo
como se realizou ou se realiza o evento ou a ação contida em outra.
EXEMPLO
A
imagem retoma Gilberto Freyre em Casa-Grande&Senzala. À sombra de flamboyats,
os meninos, todos negros ou mulatos, puxam cavalos para deleite do “senhozinho”.
A sociedade patriarcal brasileira está ali sintetizada sem que ninguém se dê
conta. As crianças dos dois lados são exploradas. As do chão doam seu
trabalho braçal. As da montaria estão ali para reproduzir a marca registrada da
pobreza, caso ainda persista alguma dúvida quanto ao lugar na pirâmide ocupada
por cada uma.
Fonte: BRÊTAS,
Pollyana.
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