Se
o uso da linguagem se dá na forma de textos e se os textos são constituídos por
sujeitos em interação, seus quereres e saberes, então, argumentar é humano.
Aprendemos
a argumentar desde cedo, ainda crianças: quando queremos que nossos pais leiam
um livro para nós, uma, duas ou mais vezes; quando não queremos dormir; quando
justificamos à professora a tarefa em branco, quando apresentamos razões para
nossas escolhas ou comportamentos etc.
O
tempo passa, vamos crescendo e continuamos argumentando pela vida adentro e
pelo mundo afora. Em entrevistas para conseguir uma bolsa de estudos ou um
emprego, em apresentação de seminários na escola, em reuniões de trabalho, em
conversas descompromissadas com amigos ou familiares ou em textos escritos que
assumem variadas configurações – como nos exemplos que comentaremos mais
adiante - , queremos convencer o nosso interlocutor em relação a posições
que assumimos e à validade dos argumentos que constituímos para defendê-los.
Charaudeau
(2008) nos ensina que argumentar é a atividade discursiva de influenciar o
nosso interlocutor por meio de argumentos. A constituição desses argumentos
demanda apresentação e organização de ideias, bem como estruturação do
raciocínio que será orientado em defesa da tese ou do ponto de vista.
Então,
segundo o autor, se o sujeito que argumenta se volta para o interlocutor na
tentativa de persuadi-lo a modificar seu comportamento, é necessário que na
argumentação exista:
I) uma
proposta que provoque em alguém um questionamento, quanto a sua legitimidade;
II)
um sujeito que desenvolva um raciocínio para demonstrar a aceitabilidade ou
legitimidade quanto a essa proposta;
III)
um outro sujeito que se constitua alvo da argumentação. Trata-se da pessoa a
quem se dirige o sujeito que argumenta, na esperança de conduzi-la a
compartilhar da mesma convicção, sabendo que ela pode aceitar (ficar a favor)
ou refutar (ficar contra) a argumentação.
Argumentação,
portanto, é o resultado textual de uma combinação entre diferentes componentes,
que exige do sujeito que argumenta construir, de um ponto de vista racional,
uma explicação, recorrendo a experiências individuais e sociais, num quadro
espacial e temporal de uma situação com finalidade persuasiva.
Exemplo 1
“Este
é um livro extraordinário e imprescindível. Extraordinário, porque poucas vezes
temos o privilégio de ler ou compartilhar com nossos filhos uma obra agradável,
educativa, divertida e capaz de nos levar a refletir e a nos emocionar, além de
provocar um diálogo sadio. Imprescindível, porque com ele temos a oportunidade
de usufruir de um encontro entre pais e filhos provocado pela filosofia, pela
ciência e pela cultura. Com ele, nossos filhos se divertem e aprendem e, ao
mesmo tempo, nós também. Sei muito bem do que estou falando...porque ele passou
a ser um dos livros favoritos de meus filhos!”
Fonte:
CELMA, Alex Rovira.
O
texto é constituído da quarta capa do livro Sem medo de pensar: breve
passeio pela história das ideias, das autoras Denise Despeyroux e Francesc
Miralles. Na primeira linha do texto, lemos que o livro é extraordinário e imprescindível.
A afirmação funciona como um gatilho para a explicação que vem logo em seguida.
É
extraordinário, por quê?
“Extraordinário,
porque poucas vezes temos o privilégio de ler ou compartilhar com nossos filhos
uma obra agradável, educativa, divertida e capaz de nos levar refletir e a nos
emocionar, além de provocar um diálogo sadio.”
É imprescindível,
por quê?
“Imprescindível,
porque com ele temos a oportunidade de usufruir de um encontro entre pais e
filhos provocado pela filosofia, pela ciência e pela cultura. Com ele, nossos
filhos se divertem e aprendem e, ao mesmo tempo, nós também. Sei muito bem do
que estou falando...porque ele passou a ser um dos livros favoritos de meus
filhos!”
A
resposta a essas perguntas orienta a organização e a progressão do
texto, tendo em vista o seu propósito comunicativo: convencer o leitor de
que pelas razões apresentadas o livro merece ser adquirido e lido.
Na
construção desse procedimento argumentativo, observamos uma relação entre os
argumentos e a conclusão: se o livro é extraordinário e imprescindível, então,
precisamos lê-lo. Nesse sentido, destaca-se no texto o papel de alguns
elementos linguísticos que orientam os enunciados para determinadas conclusões,
razão pela qual são denominados operadores ou marcadores argumentativos,
bem como contribuem para a coesão e coerência do texto. Vejamos alguns
desses marcadores:
Porque
– introduz uma
explicação ou justificativa em relação ao enunciado anterior, como aparece nos
segmentos textuais:
“Extraordinário,
porque poucas vezes temos o privilégio de ler”;
“Imprescindível,
porque com ele temos a oportunidade de usufruir de um”;
“Sei
muito bem do que estou falando...porque ele passou a ser um dos livros
favoritos de meus filhos!”
Ou
– que aponta para relação
de disjunção ou alternância com valor inclusivo (os elementos se somam), como
no enunciado:
“poucas
vezes temos o privilégio e ler ou compartilhar com nossos filhos”
e.
além de – que somam
argumentos a favor de uma mesma conclusão, como notamos em:
“(obra)
capaz de nos levar a refletir e a nos emocionar, além de provocar
um diálogo sadio.”
“Com
ele, nossos filhos se divertem e aprendem (...).”
Exemplo
2
Este
é o pior anúncio da história da Almap BBDO: José Luiz Madeira e Marcelo SERPA ESTÃO
deixando a AGÊNCIA. Aliás, é o PRIMEIRO anúncio da Almap BBDO que não tivemos
que submeter aos dois. AINDA Bem. Eles CERTAMENTE TERIAM REPROVADO. Por VÁRIAS
razões.
Primeiro,
porque este anúncio é um paradoxo. Ele é dedicado a quem nos ensinou a TRABALHAR
com alegria e está sendo concebido com um bocado de TRISTEZA. Segundo, porque
vamos falar descaradamente bem dessas duas lendas da publicidade. E eles jamais
aceitariam isso.
Fonte:
Anúncio AlmapBBDO. Folha de São Paulo. Mundo, 31 ago. 2015, A13.
O
exemplo é um anúncio produzido como forma de reconhecimento, gratidão e
homenagem a duas lendas da publicidade. Como indicado na primeira linha, começa
a expressão de uma opinião:
“Este
é o pior anúncio da história da AlmapBBDO:”
seguida
de argumentos para sustentá-la:
“José
Luiz Madeira e Marcello Serpa estão deixando a agência. Aliás, é o primeiro
anúncio da AlmapBBDO que não tivemos que submeter aos dois. Ainda bem.”
No
segmento textual, facilmente inserimos que, após os dois pontos, segue uma
explicação para o que se afirmou antes.
Na
sequência, é acrescentado mais um argumento de maneira sub-reptícia, como se
não fosse necessário, mas que, na verdade, assume importante valor na condução
argumentativa. Esse argumento foi introduzido por aliás.
Na
progressão do texto, outro argumento é construído, mas, dessa vez, para
explicar o comentário “Ainda bem”.
“Eles
certamente teriam reprovado. Por várias razões.”
Pressupomos
entre os enunciados “Ainda bem” e “Eles certamente teriam reprovado” uma
explicação/justificativa, que poderia ser explicitada pelo operador
argumentativo porque ou similar.
Também
no trecho chama a atenção o uso de “certamente”, um articulador textual que imprime
grau de certeza ao que foi dito, funcionando como um modalizador.
No
segmento textual:
“Primeiro,
porque este anúncio é um paradoxo. Ele é dedicado a quem nos ensinou a
trabalhar com alegria e está sendo concebido com um bocado de tristeza.
Segundo, porque vamos falar descaradamente bem dessas duas lendas da
publicidade. E eles jamais aceitariam isso.”
São
apresentadas duas razões pelas quais as duas lendas da publicidade, se
consultadas, reprovariam o anúncio: 1) porque o anúncio é um paradoxo; 2)
porque os homenageados não aceitariam a homenagem.
A
ordenação desses argumentos é feita por meio de articuladores que servem para
organizar o texto em uma sucessão de fragmentos que se complementam e orientam
a interpretação.
Esses
elementos linguísticos que destacamos contribuem para a argumentação, visto que
orientam a conclusão e a organização do texto, assumindo função relevante no
estabelecimento da coesão e da coerência.
Como ser dotado de razão e de vontade, o homem constantemente avalia, julga, critica, isto é, forma juízos de valor. E, por meio do que diz (na fala ou na escrita), tenta influir sobre o comportamento do outro ou fazer com que o outro compartilhe de suas opiniões. Por essa razão, o ato de argumentar, isto é, de orientar o que se diz para determinadas conclusões, constitui o ato linguístico fundamental.
Fonte: Escrever e argumentar. Koch e Elias.
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