No fragmento de Grande sertão:
veredas a seguir, Riobaldo começa a contar sua história e a revelar ao
interlocutor as inquietações que o afligem. Leia-o e, em seguida, responda às
questões de 01 a 03.
De
primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não pensava. Não possuía os prazos. Vivi
puxando difícil de difícel, peixe vivo no moquém: quem mói no asp’ro,
não fantasêia. Mas, agora, feita a folga que me vem, e sem pequenos
dessossegos, estou de range rede. E me inventei neste gosto, de especular
ideias. O diabo existe e não existe? Dou o dito. Abrenúncio. Essas
melancolias. O senhor vê: existe cachoeira; e pois? Mas cachoeira é barranco de
chão, e água se caindo por ele, retombando; o senhor consome essa água, ou
desfaz o barranco, sobra cachoeira alguma? Viver é negócio muito perigoso...
Explico
ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem — ou é o homem arruinado,
ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum.
Nenhum! — é o que digo. O senhor aprova? Me declare tudo, franco — é alta mercê
que me faz; e pedir posso, encarecido. Este caso — por estúrdio que me vejam —
é de minha certa importância. Tomara não fosse...Mas, não diga que o senhor, assisado
e instruído, que acredita na
pessoa dele?! Não? Lhe
agradeço! Sua alta opinião compõe minha valia. Já sabia, esperava por ela — já
o campo! Ah, a gente, na velhice, carece de ter sua aragem de descanso. Lhe
agradeço. Tem diabo nenhum. Nem espírito. Nunca vi. Alguém devia de ver, então
era eu mesmo, este vosso servidor. Fosse lhe contar... Bem, o diabo regula seu
estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens. Até: nas crian ças — eu
digo. Pois não é ditado: “menino — trem do diabo”? E nos usos, nas plantas, nas
águas, na terra, no vento... Estrumes. ... O diabo na rua, no meio
do redemunho...
Hem?
Hem? Ah. Figuração minha, de pior pra trás, as certas lembranças. Mal haja-me!
Sofro pena de contar não... Melhor, se arrepare: pois num chão, e com igual
formato de ramos e folhas, não dá a mandioca mansa, que se come comum, e a
mandioca-brava, que mata? Agora, o senhor já viu uma estranhez? A mandioca-doce
pode de repente virar azangada — motivos não sei; às vezes se diz que é por
replantada no terreno sempre com mudas seguidas, de ma naíbas — vai em
amargando, de tanto em tanto, de si mesma toma peçonhas. E, ora veja: a
outra, a mandioca-brava, também é que às vezes pode ficar mansa, a esmo de se
comer sem nenhum mal. E que isso é? Eh, o senhor já viu, por ver, a feiura de
ódio franzido, carantonho, nas faces duma cobra cascavel? Observou porco
gordo cada dia mais feliz bruto, capaz de, pudesse, roncar e engulir por sua
suja comodidade o mundo todo? E gavião, corpo, alguns, as feições deles já
representam a precisão de talhar para adiante, rasgar e estraçalhar a bico,
parece uma quicé muito afiada por ruim desejo. Tudo. Tem até tortas
raças de pedras, horrorosas, venenosas — que estragam mortal a água, se estão
jazendo em fundo de poço; o diabo dentro delas dorme: são o demo. Se sabe? E o
demo — que é só assim o significado dum azougue maligno — tem ordem de
seguir o caminho dele, tem licença para campear?! Arre, ele está misturado
em tudo.
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abrenúncio: do
latim abrenuntio, interjeição que tem o sentido de “credo”, “Deus me livre”.
assisado: que
tem siso, juízo; ajuizado.
azougue: do
árabe, pessoa muito viva e esperta.
campear: andar
pelo campo, procurar.
carantonho: cara
grande e feia.
manaíba: do
tupi, muda de mandioca.
moquém: grelha
feita de varas usada para secar ou assar carne ou peixe.
peçonha: veneno.
quicé: do
tupi, o mesmo que “faca velha”
QUESTÃO 01 – O excerto lido, embora narrativo, apresenta uma estrutura dissertativo-argumentativa,
isto é, o narrador desenvolve uma ideia central com argumentos e, no final,
chega a uma conclusão. Qual é a tese ou ideia central — apresentada no 2º parágrafo — que
o narrador pretende desenvolver?
QUESTÃO
02 – O exemplo da mandioca fundamenta a
tese adequadamente? Por quê?
QUESTÃO 03 – Pela conclusão a
que chega, Riobaldo tem motivos para continuar se preocupando?
QUESTÃO 04 – Tudo no mundo
começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida.
Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca
e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais
começou.[...]Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a
escrever. Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer?
Se antes da pré-pré-história já havia os monstros apocalípticos? Se esta
história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os
dois juntos – sou eu que escrevo o que estou escrevendo. [...] Felicidade?
Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos
montes.Como eu irei dizer agora, esta história será o resultado de uma visão
gradual – há dois anos e meio venho aos poucos descobrindo os porquês. É visão
da iminência de. De quê? Quem sabe se mais tarde saberei. Como que estou
escrevendo na hora mesma em que sou lido. Só não inicio pelo fim que
justificaria o começo – como a morte parece dizer sobre a vida – porque preciso
registrar os fatos antecedentes.
LISPECTOR, C. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998
(fragmento).
A elaboração de uma voz narrativa peculiar acompanha a trajetória
literária de Clarice Lispector, culminada com a obra A hora da estrela, de
1977, ano da morte da escritora. Nesse fragmento, nota-se essa peculiaridade
porque a narradora:
A) revela-se um sujeito que reflete
sobre questões existenciais e sobre a construção do discurso.
B) relata a história sem ter tido a
preocupação de investigar os motivos que levaram aos eventos que a compõem.
C) observa os acontecimentos que narra
sob uma ótica distante, sendo indiferente aos fatos e às personagens. D)
admite a dificuldade de escrever uma história em razão da complexidade para
escolher as palavras exatas.
E) propõe-se a discutir questões de
natureza filosófica e metafísica, incomuns na narrativa de ficção.
QUESTÃO 05 – Considere a obra Meus poemas preferidos, de Manuel
Bandeira, e o seguinte poema, retirado dessa obra.
NAMORADOS
O rapaz chegou-se para junto da moça e
disse:
— Antônia, ainda não me acostumei com o
seu corpo, com a sua cara.
A moça olhou de lado e esperou.
— Você não sabe quando a gente é
criança e de repente vê uma lagarta listrada?
A moça se lembrava:
— A gente fica olhando...
A meninice brincou de novo nos olhos
dela.
O rapaz prosseguiu com muita doçura:
— Antônia, você parece uma lagarta
listrada.
A moça arregalou os olhos, fez exclamações.
O rapaz concluiu:
— Antônia, você é engraçada! Você
parece louca.
Sobre Manuel Bandeira e o poema acima,
considere as seguintes afirmativas:
1. No poema “Namorados”, a poesia de
Manuel Bandeira flerta com a prosa. Percebe-se um caráter narrativo, que
permite a presença de mais de uma voz.
2. Embora o poema “Namorados” apresente
um assunto comum à tradição da poesia – a relação e a declaração amorosas –, o
tratamento dado a ele pelo poeta é surpreendentemente simples, até cômico, em
registro oralizante, um exemplo do que fez a crítica chamá-lo de “poeta do
cotidiano”.
3. A estranheza gerada pela comparação
da moça à lagarta listrada é a chave da declaração do namorado, que pode ser
lida ambiguamente: como uma mera estranheza e, portanto, uma imperfeição que
combina com o verso que a descreve como louca; ou como uma estranheza atraente,
sendo a loucura meramente uma forma moderna de expressar o “diferente”.
4. Um dos aspectos interessantes da
obra de Manuel Bandeira é a nítida passagem que se faz do simbolismo ao
modernismo nos seus primeiros livros. Além de refletir a nossa própria história
literária, esse processo de mudança também revela como a obra do autor se
modificou sem perder muitas de suas características iniciais, mantendo-se
sempre ligada a algumas formas da tradição, misturando, por exemplo, o verso
livre de alguns poemas às formas fixas de outros.
Assinale a alternativa correta.
A) São verdadeiras apenas as afirmativas 1, 2 e 4.
B) São verdadeiras apenas as afirmativas 3 e 4.
C) São verdadeiras apenas as afirmativas 1, 3 e 4.
D) São verdadeiras apenas as afirmativas 1, 2 e 3.
E) São verdadeiras as afirmativas 1, 2, 3 e 4.
A vida sedentária, as dietas gordurosas e a
obesidade estão fazendo que doenças típicas de adultos comecem a manifestar-se
em crianças e adolescentes. Entre elas está o colesterol alto, uma ameaça à
saúde do coração. Como o seu surgimento precoce é um fenômeno verificado nos
últimos anos, faltam estudos epidemiológicos mais amplos. Os especialistas
tampouco estabeleceram os níveis aceitáveis em meninos e meninas – os
parâmetros utilizados são os mesmos aplicados aos adultos.
Uma das primeiras pesquisas revelou que 25% da
população infantil brasileira apresentavam níveis elevados de colesterol. O
dado preocupa, mas deve ser lido com cautela, já que os pesquisadores não
analisaram a condição clínica dos participantes – um aspecto essencial em se
tratando de crianças atendidas num laboratório de análises, e não escolhidas
aleatoriamente. O mérito do trabalho está mais em chamar a atenção para o
problema.
O acúmulo de gordura no sangue é consequência
direta da enorme mudança de hábitos ocorrida em todos os níveis sociais. Uma
das mais drásticas aconteceu na dieta. Em dez anos, o arroz, o feijão e a
salada praticamente desapareceram do prato das crianças brasileiras. Foram
substituídos pelos hambúrgueres e batata frita. Assim, a alimentação ganhou
excesso de gorduras saturadas e de proteínas, o que eleva as taxas de
colesterol.
Além disso, em decorrência do corre-corre
quotidiano, fazer uma refeição deixou de ser um hábito controlado pelos pais
para transformar-se, na maioria das vezes, numa atividade solitária diante da
televisão ou da tela de um computador. Contribui ainda para o aumento do
colesterol em crianças o sedentarismo. Estima-se que apenas um terço delas
pratique mais de meia hora diária de atividades físicas moderadas. Elas
deixaram de brincar ao ar livre, para ficar na frente da televisão ou do
computador.
(Adaptado de Giuliana Bergamo, Veja, 17 de
agosto de 2005, p. 110-111)
QUESTÃO
06 – O
texto permite concluir que a solução para o problema nele apontado está
A)
no retorno à tranquilidade das reuniões familiares, no momento das refeições.
B)
na diminuição dos afazeres diários, para que a hora da alimentação transcorra
em calma.
C)
na divulgação, até mesmo em programas da televisão, dos riscos oferecidos à
saúde por certos hábitos.
D)
no estabelecimento de parâmetros médicos ideais para diagnosticar problemas de
saúde em crianças.
E)
em uma dieta equilibrada e saudável, além de atividade física regular.
QUESTÃO
07 – Marque
somente a alternativa na qual a classificação do sujeito está correta.
I
– O acúmulo de gordura no sangue é consequência direta da enorme mudança de
hábitos. (SUJEITO SIMPLES)
II
– Contribui ainda para o aumento do colesterol em crianças o sedentarismo.
(SUJEITO SIMPLES)
III
– Estima-se que apenas um terço delas pratique mais de meia hora diária de
atividades físicas moderadas. (ORAÇÃO SEM SUJEITO)
IV
– A vida sedentária, as dietas
gordurosas e a obesidade estão fazendo (...) (SUJEITO COMPOSTO)
V
– O dado preocupa (SUJEITO OCULTO)
Estão
corretas
A)
I, II, III, IV e V;
B)
IV e V;
C)
I, II, III e V;
D)
I, II e IV;
E)
II, III, IV e V.
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