quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Porque o professor não pode dar tiro


Porque o professor não pode dar tiro

O episódio recente que aconteceu com o senador do Ceará nos permite fazer algumas ponderações sobre a relação entre a classe política brasileira e os trabalhadores. Sem dúvida, ele não temperou bem a atuação irracional em tentar desobstruir o movimento da categoria dos policiais literalmente com rolo compressor. Sim, destaco esse termo porque não é de hoje que os políticos passam rolo compressor nas categorias, quando elas reivindicam alguma melhoria, principalmente reajuste salarial. Quantas vezes recorrem a justiça, em última instância, aos tribunais superiores e conseguem decisões desfavoráveis aos servos assalariados. Quantas vezes usam a mídia para disseminar a imagem de que a crise nesse país colossal tem um culpado: o trabalhador.
O fato é que essa tática de usar a força com imperícia, pelo menos no episódio analisado, transferiu-se da abstração ideológica e concretizou-se em ação de força humana e tecnológica: acabar uma manifestação com o uso de uma retroescavadeira. Nesse caso, o senador foi imprevisível. Resultado: na tentativa de medir forças, a classe trabalhadora, ou alguns vândalos, deram tiro na autoridade política. As autoridades competentes acharão os responsáveis, mas não se defende aqui qualquer tipo de violência ou atentado à vida de quem quer que seja, pois há outras maneiras de se negociar melhorias, uma delas é o diálogo.
De qualquer maneira, o episódio ocorrido no Ceará acaba repercutindo no Brasil, em outros estados. Negativa ou positivamente, assistimos reajustes salariais a agentes de segurança pública em um estado, enquanto em outros a categoria começa a ser motivada a lutar pelos seus direitos. Isso não ocorre apenas com os polícias, mas com outras categorias, como os profissionais do magistério. A arma que um educador utiliza é o pincel, a panfletagem, a disseminação de ideias em sala de aula ou na comunidade a fim de perceber em seus contracheques o pagamento do Piso Salarial Nacional, ou mesmo um espaço adequado para a consolidação do processo de ensino e aprendizagem.
Ocorre que a classe política vem derrotando constantemente os educadores desse país, haja vista que o próprio tribunal superior já concedeu a inúmeros chefes do poder executivo estatal, liminares ou decisões permanentes para não reajustar o salário dos professores. Com efeito, à classe política fica o sentido de vitória, já à classe da educação fica a desmotivação cada mais crescente em um país onde não se tem levado a sério a educação. Ao professor, então, resta aceitar a realidade escolar e enfrentar com os mínimos recursos que possui os desafios da educação escolar. Muitos foram mortos pelo cansaço: não creem que político algum, incluindo ex- professores, chegariam ao luxo de valorizar esses profissionais.
O pior é que a história é cheia de exemplos que fundamentam tal tese. Todavia, no íntimo de cada um, há um grito que silencia, fica entalado, mas explode durante as reuniões. Há ainda aqueles que explodem mesmo, mudam de profissão, mas poucos, poucos mesmos que lutam por algo em prol de seu exercício do magistério.
Voltemos aos policiais: os tiros disparados no senador foram um risco que ele enfrentou e um alerta aos políticos: pergunte ao trabalhador o que é um político, o que ele representa. Uma coisa é certa, não é mais um semideus que pode entrar em qualquer ambiente sem um colete a prova de balas ou desprotegido numa manifestação de classes, pois sempre existirá os exaltados, os que, ao lembrarem que o pequeno salário arrochado pela inflação, não consegue dar dignidade a si e a sua família, o que crê na luta por algo melhor, mas não tem retorno, deixa o patos dominar a racionalidade, e o resultado são disparos como os que atingiram o político.
Sem mais, os professores não podem dar tiros, não possuem armas como as dos policiais, talvez por isso não são reconhecidos como devem, valorizados pelos gestores das diversas bandeiras partidárias desse país. Não se quer aqui defender a ideia de que é necessário dar tiros no Brasil para conseguir algo nesse país. Ao contrário, quer-se alertar: se o diálogo não retornar nas negociações, se os patrões não respeitarem os trabalhadores – veja os ataques recentes do ministro da economia às classes trabalhadores – , temo que mais classe de trabalhadores se defenderão atacando: isso, eu não desejo ao meu país, mas, sim, o respeito às autoridades, qualquer que seja, e uma melhor valorização ao trabalhador nesse país, antes que ele se torne em uma anarquia.  


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