À
Minha mãe
Se
a terra é adorada, a mãe não é mais digna de veneração.
Digest
of hindu law.
Como
as flores de uma árvore silvestre Se esfolham sobre a leiva que deu vida A seus
ramos sem fruto,
Ó
minha doce mãe, sobre teu seio Deixa que dessa pálida coroa
Das
minhas fantasias
Eu
desfolhe também, frias, sem cheiro, Flores da minha vida, murchas flores Que só
orvalha o pranto!
É ELA! É ELA!
É
ela! é ela! — murmurei tremendo,
E
o eco ao longe murmurou — é ela!... Eu a vi... minha fada aérea e pura,
A
minha lavadeira na janela!
Dessas
águas-furtadas onde eu moro Eu a vejo estendendo no telhado
Os
vestidos de chita, as saias brancas... Eu a vejo e suspiro enamorado!
Esta
noite eu ousei mais atrevido
Nas
telhas que estalavam nos meus passos Ir espiar seu venturoso sono, Vê-la mais
bela de Morfeu nos braços! Como dormia! que profundo sono!... Tinha na mão o
ferro do engomado... Como roncava maviosa e pura!
Quase
caí na rua desmaiado!
Afastei
a janela, entrei medroso:
Palpitava-lhe
o seio adormecido...
Fui
beijá-la... roubei do seio dela Um bilhete que estava ali metido... Oh!
De
certo ... (pensei) é doce página Onde a alma derramou gentis amores!... São
versos dela... que amanhã decerto Ela me enviará cheios de flores... Trem de
febre!
Venturosa
folha! Quem pousasse contigo neste seio!
Como
Otelo beijando a sua esposa,
Eu
beijei-a a tremer de devaneio...
É
ela! é ela! — repeti tremendo,
Mas
cantou nesse instante uma coruja... Abricioso a página secreta...
Eu
Cavaleiro das armas escuras,
Onde vais pelas trevas impuras
Com a espada sanguenta na mão?
Por que brilham teus olhos ardentes
E gemidos nos lábios frementes
Vertem fogo do teu coração?
Cavaleiro, quem és? — O remorso?
Do corcel te debruças no dorso...
E galopas do vale através...
Oh! da
estrada acordando as poeiras
Não escutas gritar as caveiras
E morder-te o fantasma nos pés?
Onde vais pelas trevas impuras,
Cavaleiro das armas escuras,
Macilento qual morto na tumba?...
Tu escutas...
Na longa montanha
Um tropel teu galope acompanha?
E um clamor de vingança retumba?
Cavaleiro, quem és? que mistério...
Quem te força da morte no império
Pela noite assombrada a vagar?
SE EU MORRESSE AMANHÃ
Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que amanhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Que sol! que céu azul! que doce n'alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o doloroso afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que amanhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Que sol! que céu azul! que doce n'alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o doloroso afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
LEMBRANÇAS DE MORRER
Eu deixo a vida como deixa
o tédio
Do deserto, o poento caminheiro,
- Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;
Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade - é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.
Só levo uma saudade - é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas.
De ti, ó minha mãe, pobre coitada,
Que por minha tristeza te definhas!
Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei. que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!
Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores.
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.
Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo.
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!
Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
Foi poeta - sonhou - e amou na vida.
Do deserto, o poento caminheiro,
- Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;
Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade - é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.
Só levo uma saudade - é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas.
De ti, ó minha mãe, pobre coitada,
Que por minha tristeza te definhas!
Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei. que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!
Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores.
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.
Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo.
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!
Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
Foi poeta - sonhou - e amou na vida.
SONETO
Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era a mais bela! Seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!
Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era a mais bela! Seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!
Adeus, Meus Sonhos!
Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!
Misérrimo! votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto...
E minh’alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.
Que me resta, meu Deus?!... morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já que não levo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!
Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!
Misérrimo! votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto...
E minh’alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.
Que me resta, meu Deus?!... morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já que não levo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!
Último
beijo de amor
A noite ia
alta: a orgia findara. Os convivas dormiam repletos, nas trevas. Uma luz raiou
súbito pelas fisgas da porta. A porta abriu-se. Entrou uma mulher vestida de
negro. Era pálida; e a luz de uma lanterna, que trazia erguida na mão, se
derramava macilenta nas faces dela e lhe dava um brilho singular aos olhos.
Talvez que um dia fosse uma beleza típica, uma dessas imagens que fazem
descorar de volúpia nos sonhos de mancebo. Mas agora com sua tez lívida, seus
olhos acesos, seus lábios roxos, suas mãos de mármore, e a roupagem escura e
gotejante da chuva, disséreis antes — o anjo perdido da loucura. A mulher curvou-se:
com a lanterna na mão procurava uma por uma entre essas faces dormidas um rosto
conhecido. Quando a luz bateu em Arnold, ajoelhou-se. Quis dar-lhe um beijo,
alongou os lábios... Mas uma idéia a susteve. Ergueu-se. Quando chegou a
Johann, que dormia, um riso embranqueceu-lhe os beiços, o olhar tornou-se-lhe
sombrio. Abaixou-se junto dele, depôs a lâmpada no chão. O lume baço da
lanterna dando nas roupas dela espalhava sombra sobre Johann. A fronte da
mulher pendeu e sua mão passou na garganta dele. Um soluço rouco e sufocado
ofegou daí. A desconhecida levantou-se. Tremia; e ao segurar na lanterna
ressoou-lhe na mão um ferro... Era um punhal... Atirou-o ao chão. Viu que tinha
as mãos vermelhas, enxugou-as nos longos cabelos de Johann... Voltou a Arnold;
sacudiu-o. — Acorda e levanta-te! — Que me queres? — Olha-me... não me
conheces? — Tu! e não é um sonho? És tu! oh! deixa que eu te aperte ainda!
Cinco anos sem ver-te! E como mudaste! — Sim, já não sou bela como há cinco
anos! É verdade, meu loiro amante! É que a flor de beleza é como todas as
flores. Alentai-as ao orvalho da virgindade, ao vento da pureza, e serão
belas... Revolvei-as no lodo... e, como os frutos que caem, mergulham nas águas
do mar, cobrem-se de um invólucro impuro e salobro! Outrora era Giorgia — a
virgem, mas hoje e Giorgia — a prostituta! — Meu Deus! meu Deus! E o moço sumiu
a fronte nas mãos. — Não me amaldiçoes, não! — Oh! deixa que me lembre: estes
cinco anos que passaram foram um sonho. Aquele homem do bilhar, o duelo à queima-roupa,
meu acordar num hospital, essa vida devassa onde me lançou a desesperação, isto
é um sonho? Oh! lembremo-nos do passado! Quando o inverno escurece o céu,
cerremos os olhos; pobres andorinhas moribundas, lembremo-nos da primavera!...
— Tuas palavras me doem... É um adeus, é um beijo de adeus e separação que
venho pedir-te: na terra nosso leito seria impuro, o mundo manchou nossos
corpos. O amor do libertino e da prostituta! Satã riria de nos. É no céu,
quando o túmulo nos lavar em seu banho, que se levantará nossa manhã de amor...
— Oh! ver-te e para deixar-te ainda uma vez! E não pensaste, Giorgia, que me
fora melhor ter morrido devorado pelos cães na rua deserta, onde me levantaram
cheio de sangue? Que fora-te melhor assassinar-me no dormir do ébrio, do que
apontar-me a estrela errante da ventura e apagar-me a do céu? Não pensaste que,
após cinco anos, cinco anos de febre e de insônias, de esperar e desesperar, de
vida por ti, de saudades e agonia, fora o inferno ver-te para te deixar? —
Compaixão, Arnold! É preciso que esse adeus seja longo como a vida. Vês, minha
sina é negra: nas minhas lembranças há uma nódoa torpe... Hoje! é o leito
venal... Amanhã!... só espero no leito do túmulo! Arnold! Arnold! — Não me
chames Arnold! chama-me Artur, como dantes. Artur! não ouves? Chama-me assim!
Há tanto tempo que não ouço me chamarem por esse nome!... Eu era um louco! quis
afogar meus pensamentos e vaguei pelas cidades e pelas montanhas deixando em
toda a parte lágrimas... nas cavernas solitárias, nos campos silenciosos, e nas
mesas molhadas de vinho! Vem, Giorgia! senta-te aqui, senta-te nos meus
joelhos, bem conchegada a meu coração... tua cabeça no meu ombro! Vem! um
beijo! quero sentir ainda uma vez o perfume que respirava outrora nos teus
lábios. Respire-o eu e morra depois!... Cinco anos! oh! tanto tempo a
esperar-te, a desejar uma hora no teu seio!... Depois... escuta... tenho tanto
a dizer-te! tantas lágrimas a derramar no teu colo! Vem! e dir-te-ei toda a
minha história! minhas ilusões de amante e as noites malditas da crápula e o
tédio que me inspiravam aqueles beiços frios das vendidas que me beijavam! Vem!
contar-te-ei tudo isto, dir-te-ei como profanei minh’alma e meu passado... e
choraremos juntos... e nossas lágrimas nos lavarão como a chuva lava as folhas
do lodo! — Obrigada, Artur! obrigada! A mulher sufocava-se nas lágrimas, e o
mancebo murmurava entre beijos palavras de amor. — Escuta, Artur, eu vinha só
dizer-te adeus! da borda do meu túmulo; e depois contente fecharia eu mesma a
porta dele... Artur, eu vou morrer! Ambos choravam. — Agora vê, continuou ela.
Acompanha-me: vês aquele homem? Arnold tomou a lanterna. — Johann! morto!
sangue de Deus! quem o matou? — Giorgia! Era ele um infame. Foi ele quem deixou
por morto um mancebo a quem esbofeteara numa casa de jogo. Giorgia — a
prostituta! vingou nele Giorgia — a virgem! Esse homem foi quem a desonrou!
desonrou-a, a ela que era sua... irmã! — Horror! horror! E o moço virou a cara
e cobriu-a com as mãos. A mulher ajoelhou-se a seus pés. — E agora adeus! adeus
que morro! Não vês que fico lívida, que meus olhos se empanam e tremo... e
desfaleço? — Não! eu não partirei. Se eu vivesse amanhã haveria uma lembrança
horrível em meu passado... — E não tens medo? Olha! é a morte que vem! é a vida
que crepúscula em minha fronte. Não vês esse arrepio entre minhas
sobrancelhas?... — E que me importa o sonho da morte? Meu porvir amanhã seria
terrível: e à cabeça apodrecida do cadáver não ressoam lembranças; seus lábios
gruda-os a morte; a campa é silenciosa. Morrerei! A mulher recuava... recuava.
O moço tomou-a nos braços, pregou os lábios nos dela... Ela deu um grito e
caiu-lhe das mãos. Era horrível de se ver. O moço tomou o punhal, fechou os
olhos, apertou-o no peito, e caiu sobre ela. Dois gemidos sufocaram-se no
estrondo do baque de um corpo... A lâmpada apagou-se.
Nenhum comentário:
Postar um comentário