Depois de ser ouvida, a "pirralha" Greta Thunberg
parou de gritar
Reinaldo Polito 28/01/2020
“A esperança tem duas filhas lindas, a
indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como
estão; a coragem, a mudá-las.”
Santo
Agostinho
Nós nos lembramos bem do tom do discurso usado
por Greta Thunberg quando se apresentou diante de líderes de 60 nações, durante
a Cúpula do Clima da ONU, ocorrida no ano passado em Nova Iorque. Ela leu e
interpretou um discurso, falando de maneira enérgica, com o semblante crispado,
voz quase raivosa e gestos contundentes.
As pessoas questionavam se aquela forma de
falar não era artificial, e se não poderia produzir efeito contrário ao que ela
estava pretendendo. A resposta a essa indagação pode ser encontrada em Vieira:
"E como os brados no mundo podem tanto, bem é que bradem alguma vez os
pregadores, bem é que gritem. [...] há de ser a voz do pregador: um trovão do
céu, que assombre e faça tremer o mundo."
E no caso de Greta funcionou. Seus brados foram
ouvidos. Assombraram e fizeram tremer o mundo. A partir dessa sua participação,
ela que já era relativamente conhecida por seu ativismo foi catapultada com
destaque para o mundo todo. Suas posições não encontram unanimidade. Aqui mesmo
no Brasil, se, por um lado, conseguiu conquistar muitos adeptos e seguidores,
por outro, angariou também inúmeros desafetos.
Os brados de Greta
Suas frases pronunciadas com indignação
reverberaram por todos os cantos do mundo: "Vocês roubaram os meus sonhos
e minha infância com palavras vazias". "As pessoas estão sofrendo. As
pessoas estão morrendo". "Estamos no início de uma extinção em massa
e tudo o que vocês falam gira em torno de dinheiro e um conto de fadas de
crescimento econômico eterno. Como ousam?" Foram frases de efeito, curtas
e bastante provocativas. Chegaram aos ouvintes.
Para dar uma ideia de seus efeitos, vale
mencionar que há poucos dias, Greta se manifestou sobre a morte de dois índios
da etnia Guajajara, afirmando que morreram defendendo a Amazônia. Em uma de
suas entrevistas, o presidente Bolsonaro, ao responder a uma pergunta dos
jornalistas sobre a morte desses índios, sem que o nome da ativista sueca fosse
mencionado, aproveitou a oportunidade para criticá-la.
Após ser indagado se não estava preocupado com
a morte dos dois índios, ele respondeu: "Como é, índio!?" Em seguida,
parecendo esquecer o nome da pessoa - um recurso muito comum para desqualificar
quem se deseja criticar - perguntou: "Qual o nome daquela menina lá? Não,
lá de fora, lá. Aquela Tabata, não. Como é? Greta. A Greta já falou que os
índios morreram porque estão defendendo a Amazônia. É impressionante a imprensa
dar espaço para uma pirralha dessa aí. Uma pirralha".
Esse comentário de Bolsonaro provocou grande
alvoroço, com muitas pessoas aplaudindo seu posicionamento e outras criticando
suas palavras. A repercussão foi tão intensa que o porta-voz Rego Barros
precisou entrar em cena para dar explicações. Afirmou que do ponto de vista
gramatical Bolsonaro não foi descortês com Greta.
Mais
tarde complementou pedindo aos jornalistas que pesquisassem o significado da
palavra "pirralha". Perguntou se já haviam dado uma
"googlada" sobre o que é pirralho. Pirralho é uma criança ou pessoa
de pequena estatura. Onde que o presidente foi inadequado, foi descortês com
Greta? Ela é uma pirralha. Ela é uma pessoa de pequena estatura.
A impressão é que Greta fala para os extremos.
Ou encontra adeptos para a sua causa, ou refratários às suas ideias. Por isso,
a forma que escolheu para se expressar não podia ter sido neutra. Era preciso
energia e eloquência para ser ouvida.
Suas opiniões provocam controvérsias
Estou fazendo referência a esse fato para
mostrar como as opiniões a respeito das posições adotadas pela ativista
provocam controvérsias. Agradando ou não, a verdade é que a maneira como ela se
expressou deu resultado. Quantos ativistas no mundo inteiro tentaram ser
ouvidos, mas por mais elaborados que fossem seus discursos, se assemelhavam ao
voo de galinhas. Não chegaram além das salas de onde foram proferidos.
Mesmo não tendo ficado em silêncio ao longo
desse último ano, pois vez ou outra tem se manifestado sobre causas
ambientalistas, Greta teve a oportunidade de se mostrar novamente ao mundo
agora na 50ª edição do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. Ao se
apresentar, proferiu discurso com mensagem forte, mas seu comportamento foi
muito mais sereno.
Talvez por já ser conhecida, sabia que seu
discurso poderia ser mais equilibrado, pois seria ouvido de qualquer maneira.
Tanto assim que brincou com esse fato: "Não sou uma pessoa que pode
reclamar sobre não ser ouvida". A plateia reagiu com risadas imediatamente.
Aproveitou a oportunidade para deixar sua mensagem aos líderes mundiais:
"A ciência e a voz dos jovens não são o centro da conversa, mas precisam
ser".
As palavras podem ser como o orvalho
Essa fala mais serena e ponderada também
encontra explicações em Vieira: "Mas que diremos à oração de Moisés? Desça
minha doutrina como chuva do céu, e a minha voz e as minhas palavras como
orvalho que se destila brandamente e sem ruído". E quando se respalda em
Isaias diz: Não clamará, não bradará, mas falará com uma voz tão moderada que
se possa ouvir fora".
É interessante observar a diversidade de
opiniões. A deputada Tabata Amaral, por exemplo, enaltece a coragem e os ideais
de Greta Thunberg. Por outro lado, o formador de opinião e jornalista Augusto
Nunes afirma que a imprensa ainda irá se arrepender por dar ouvidos e valorizar
tanto pessoas como a ativista sueca.
A maneira de falar dos líderes mundiais tem
muito a nos ensinar. Independentemente do fato de comungarmos ou não com suas
ideias, de gostarmos ou não das suas posições ideológicas, é possível observar
como se comportam e a forma como conseguem atingir seus objetivos. É o caso
dessa menina Greta Thunberg, que mesmo sendo tão novinha conseguiu se projetar
em todo o mundo.
Superdicas da semana
Há momentos em que o orador deve bradar como o
trovão
Há momentos em que o orador deve ser suave como
o sereno
A emoção do orador deve estar à altura da causa
que defende
A emoção do orador deve ir ao encontro da
expectativa da plateia
Livros de minha autoria que ajudam a refletir
sobre esse tema: "29 Minutos para Falar Bem em Público", publicado
pela Editora Sextante. "Como falar de improviso e outras técnicas de
apresentação", "Oratória para advogados", "Assim é que se
Fala", "Conquistar e Influenciar para se Dar Bem com as Pessoas"
e "Como Falar Corretamente e sem Inibições", publicados pela Editora
Saraiva. "Oratória para líderes religiosos", publicado pela Editora
Planeta.
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** Este texto não reflete, necessariamente, a
opinião do UOL.
Fonte: Uol notícias
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